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Dia 18 – Belogorski – Khabarovski – 674 KM

Já começamos a ficar nostálgicos… hoje foi a penúltima vez que repetimos o roteiro “carrega moto – pilota – descarrega moto – se instala no hotel – prepara tudo pro dia seguinte”. Vencemos a penúltima etapa da viagem e agora estamos a pouco mais de 700 KM de Vladivostok, nosso destino final e ponto de chegada da expedição.

Ontem foi trash…. Gostamos tanto do restaurante, que além de comer mais do que devíamos, tomamos MUITO mais do que devíamos… Ou seja, depois da quantidade bestial de risadas de ontem, hoje tomamos uma quantidade bestial de anti-ácidos, ativadores hepáticos e comprimidos pra dor de cabeça. Mas faz parte! O incrível – e isso se repete a cada viagem – é que parece que é subir na moto e a ressaca se cura na hora. Não sei ao certo qual a lógica, mas é como acontece. Possivelmente doses de adrenalina somadas à excitação de mais um dia pelo desconhecido agem de maneira positiva sobre o organismo. 🙂

Saímos cedo de Belogorski no inicio da manhã, como sempre, tentando aproveitar as horas mais frescas para fazer a viagem render, com previsão de chegada a Blagoveschenk antes das quatro da tarde. Mas é claro que essa viagem já mostrou que a coisa que menos importa aqui é o que planejamos. Como contei ontem, a moto do Rodrigo tá bebendo mais que noivo em despedida de solteiro. Então estamos desde ontem rodando permanentemente no limite entre um posto e outro, uma vez que eles rarearam significativamente nessa etapa da viagem. E na nossa segunda perna, após o primeiro abastecimento do dia… nova pane seca!!!!!! Por sorte, a moto do Rodrigo parou apenas 10 km antes do próximo posto, o que permitiu resolver a situação sem perdermos muito tempo. Corri até o posto, comprei três garrafas de água mineral e pronto. Não, é claro, sem antes ficar quase cego… (ok, to exagerando, mas é só pra efeito de dramatizar um pouco a coisa… hehe). Mas foi meio foda… Estava tentando encher as garrafas plásticas de um litro com gasolina quando, logo na primeira, a bomba jorrou mais combustível do que eu queria, a porcaria espirrou de dentro da garrafa e veio direto no meu olho. Dentro do olho, bem entendido. Fiquei meio em pânico, achei que aquela merda ia me fazer um mal tremendo, sai atrás de agua e fui salvo pela mulher do posto que me trouxe uma tijela cheia d’agua e deu pra lavar o olho com agua em abundancia, o que eu acho que é o recomendado nessas situações. Na sequencia um colírio básico pra assegurar que a córnea foi devidamente lavada e pronto. Bora levar a gasolina pro Rodrigão.

Impressionante o que tem de bicho nessas paragens… Nessa região do abastecimento em garrafas de água, sem exagero, dava a impressão de que a bicharada (mosca, mosquito, mosquetão, abelha, varejeira, pernilongo, bicho de sete cabeças, tem de tudo, sem sacanagem) vai se rebelar e carregar a gente. Como a moto, a roupa e o capacete estão virados em bicho morto (sim, essa parte é meio nojenta, mas não tem como evitar…), acho que isso atrai mais bicho ainda. Sei lá, parece que os bichos são meio canibais, um negócio meio sinistro.

O ponto pitoresco do dia foi que logo no início da manhã, pegamos um bocado de neblina em trechos da estrada e quando atravessávamos uma ponte, que parecia ser uma divisa de estado ou coisa parecida, o rio que passava embaixo estava parcialmente coberto por uma névoa espessa e achei aquela paisagem deslumbrante. Como àquela hora a estrada estava deserta, parei a moto em cima da ponte para fotografar. Estava ali, envolvido em procurar o melhor ângulo para fotografar, quando comecei a ouvir vozes… Pensei com meus botões que estava ficando louco, de onde é que iam vir vozes àquelas alturas, e continuei ali, fotografa daqui, reenquadra dali. Eis que as vozes ficam mais altas, e aí sim, tive certeza, que algum evento sobrenatural estava ocorrendo e, ou um espírito veio me puxar pela bota ou eu seria abduzido por extraterrestres assim que olhasse pra cima… Preferi a alternativa dos extraterrestres (essas coisas sobrenaturais são meio apavorantes… hehe) e olhei pra cima pronto pra me deparar com a nave de Independence Day sobre a minha cabeça e descobri de onde vinham as vozes… a porra da ponte tinha alto falantes espalhados em toda a sua extensão (alto falantes numa ponte??? puta que pariu, só russo pra pensar numa porra dessas) e as vozes eram do guarda na guarita da cabeceira da ponte que devia estar me dando um puta dum esporro por estar parado em cima da ponte. Aí relaxei, muito melhor lidar com o soldado russo do que com espíritos ou extraterrestres… hum… ou não… tratei de fechar o capacete e picar a mula dali o mais rápido possível. Mas as fotos valeram a pena! 🙂

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E já que falamos de esporro, hoje Rodrigão, o amigão de todo mundo, também levou esporro da tiazinha do posto. Ele não quis me contar o que aconteceu, mas pela cara dele, o esporro foi bruto:

 

 

Chegamos em Khabarovski por volta das 17h, debaixo de um calor fortíssimo. Realmente caímos no conto da Sibéria, não sei onde é que esse povo vê frio aqui, porque hoje, mais uma vez, rodamos com 32, 33 graus. O forte calor contribui com o desgaste, que agora já é acumulado e acentuado, em função de termos completado o nono dia ininterrupto de jornadas em torno de 10 horas/dia de pilotagem. Aqueles três dias desperdiçados em Omsk estão cobrando seu preço, mas agora, faltam pouco mais de 700 km para chegarmos onde planejamos, juntos, e pilotando nossas motocicletas. Hoje, durante as longas horas de estrada, eu pensava na analogia de uma viagem como essa com uma maratona. Sempre admirei esportistas envolvidos em provas de longa duração. Menos pelo esforço físico, e muito mais pela capacidade psicológica de suportar a longa prova mantendo o foco. E não é que me dei conta que isso, de certa forma, se assemelha em muito a provas de longa duração e resistência? Aliás, com um componente de stress psicológico que é tremendamente duradouro. Quando saímos de Omsk, tínhamos pela frente uma  “prova” de DEZ DIAS seguidos, com OITO A DEZ HORAS TODOS OS DIAS nessa tal “prova”. E pode parecer que andar de moto é moleza, é só acelerar que ela faz o resto… mas não é bem assim. O esforço físico existe e é imenso (todos os dias chegamos com dores em várias partes do corpo, que também tendem a se acentuar pela falta de descanso). Se você não tem familiaridade com o exercício de pilotar uma motocicleta, imagine a seguinte situação: acesse sua assinatura do netflix e crie uma playlist de dez horas de duração, com filmes de uma hora e meia programados em sequencia. Esses filmes devem ser escolhidos aleatoriamente. Alguns provavelmente serão bons, outros serão profundamente entendiantes. Agora, prepare-se para assistir a toda essa playlist de uma só vez. Mas tem alguns detalhes. Primeiro, vista uma bota de cano longo, que pesa uns 3 kg em cada pé, por cima de uma meia que te cobre até o joelho. Coloque uma calça de cordura (um tecido bem grosso) que pesa outros 3 kg, uma jaqueta do mesmo tecido, essa com uns 5 kg, e ambas com um forro por baixo delas de gore-tex (material impermeável que ajuda a esquentar). Feche a jaqueta até o pescoço, e calce luvas a prova d’agua. Ao final coloque um capacete. Ótimo. Agora, antes de dar o play, esqueça essa historinha de sofá. Pegue dois cavaletes, coloque à sua frente, e entre os dois cavaletes pendure um cabo de vassoura, que ficará perpendicular a você. Na frente do cabo de vassoura, coloque um banquinho sem encosto. Perfeito. Agora sente no banquinho de frente para o cabo de vassoura e estique os dois braços, segurando com as mãos em cada uma das extremidades do cabo de vassoura. Ah, já ia esquecendo…. contrate algum vizinho seu pra de vez em quando pegar uma mangueira e ficar jogando água em você, isso é muito importante. E, é claro, não menos importante, ligue o ar condicionado da sala deixando-o permanentemente regulado para nivelar a temperatura em 32 graus. Pronto. Agora você já pode dar o play no netflix para assistir aqueles 5 filmes de uma hora e meia em sequencia, sentado no banquinho segurando o cabo de vassoura, podendo parar 15 minutos no intervalo entre um filme e outro, pra tomar uma água, comer um sanduba xexelento e usar o banheiro, que se possível, deve estar fedorento e mal cuidado. Yes!!!!! Agora ficou fácil. Faça isso por DEZ DIAS seguidos, repetindo a mesma playlist, e imagine como estará seu corpo ao final do décido dia…. hehehehehehe… como eu seeeeeeeeempre repito… ninguém disse que seria fácil! E o mais estranho é que a gente ADORA!!!!!! 😉

Agora pra cama porque amanhã será um dia especial. Chegaremos a Vladivostok, quase 10.000 km e incontáveis perrengues depois de Moscow.

2 comentários em “Dia 18 – Belogorski – Khabarovski – 674 KM

  1. Parabéns aos dois! Guerreiros, sem dúvida! Curtindo a realização de um sonho, alcançando uma meta. Falo “alcançando” (usando um gerúndio que odeio usar) porque ao ler esse post da penúltima perna, depois de ler e acompanhar os outros, estou certo de que vocês estão relaxados e curtindo muito. Isso é bom sinal, ótimo! Está dando certo, deu certo! Esse post é “épico”, fantástico (e claro, muito bem escrito) e nos faz (um pouco) de carona e garupa de vocês (não, não estamos dando essa idéia de aumentar a dificuldade). Show! Aproveitem cada kilometro da última perna! Em tempo: jamais vi uma descrição melhor de como um “não iniciado” deve “ser iniciado” na experiência de um dia com 800km sob uma moto! Fantástica! Deveria ter um vídeo mostrando um caboclo se preparando para as sessões de filmes, paramentados, e segurando um cabo de vassoura por 10 horas (claro, com os devidos banhos de mangueira). Hilário e real. Abraços.

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