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Dia 16 – Chita – Yerofey Pavilovich – 780 KM

Ahhhhh, esse sim um post que dá gosto de escrever. Depois do dia tosco de ontem, hoje fomos presenteados com um dos melhores dias da viagem. Não sem antes acordar as 6 da manhã pra constara que continuava chovendo. Mas a chuva só nos acompanhou nos primeiros quilômetros, com alguma neblina pela estrada. Menos de 50 KM depois de termos deixado Chita, o dia se abriu e o que presenciamos foi ímpar: autêntico contato com a natureza em estado bruto da Sibéria. Uma sucessão de montanhas e florestas, curvas, estradas em perfeito estado de conservação e um dia digno de catarses sucessivas dentro do capacete. Não tem jeito, em dias como hoje, por algum efeito mágico, a magnitude das paisagens, a satisfação de estar vivendo aquele momento e a paz proporcionada pela solidão da motocicleta, são combustível para profundos e intensos encontros consigo mesmo. Essas situações criam espaços para auto-conhecimento, para tirar de dentro de lugares que sabemos onde são, sentimentos que nem sabemos que estão lá. Ao final de um dia como hoje, dentre vários outros sentimentos, o mais profundo é o de gratidão. Pela vida, pela possibilidade de reflexão, e pelo aprendizado constante e permanente.

Mas é claaaaaaaro que um dia perfeito na estrada sempre tem que ter… perrengue! 🙂

E hoje ele chegou na forma de uma pane seca. Aprendemos da pior forma possível que a abundância de postos de gasolina que relatei anteriormente não se aplica entre Chita e Yerofey Pavlovich. Normalmente, calculamos nossas paradas para alguma coisa entre 200 e 250 km, uma faixa bastante confortável. A após os 150 KM km desde a última abastecida, já comoeço a procurar no GPS a distância para os próximos postos do caminho. Quando fiz isso hoje, com 150 KM percorridos, vi que o próximo posto estava a quase 200 km!!!!!! Ou seja: F-O-D-E-U. Reduzimos a velocidade para parcos 90 km/h para poupar combustível e seguimos, pacientes, esperando pelo pior. Que, é claro, aconteceu. 20 KM antes do posto, a moto do Rodrigo apagou e eu, que estou com uma Adventure com tanque maior (33 litros), segui em frente para buscar gasolina. Chegando ao posto, bem… não era bem um posto… era uma venda de combustível num vilarejozinho onde não havia nem a gasolina 95 pra vender (só tinha a 92). Galão pra armazenar o combustível então, nem pensar. Lá fui eu para a lata do lixo, de onde consegui recolher 5 garrafas de plástico (água, refrigerante e até chá) para conseguir levar a gasolina de volta para o Rodrigo. E a boma de gasolina? Uma atração a parte, com mostrador analógico e tudo mais.

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Motos abastecidas, seguimos na estrada para completar os mais de 700 KM de estradas e paisagens de cair o queixo. Sem exagero, foi um dia perfeito. Clima ameno, estradas cheias de curvas, montanhas e pouquíssimo movimento. Eu diria até, que mais sensacional do que o dia em que margeamos o Baikal. Provavelmente, porque a paisagem “beirando o lago”, embora magnífica, é familiar. Em viagens pela orla do mar (por exemplo, Rio-Santos no Brasil, US-01 nos EUA, Great Pacific Ocean na Austrália ou a estrada que liga a Cidade do Cabo ao Cabo da Boa Esperança na África do Sul) ou de outros grandes lagos (Titicaca na Bolívia, General Carrera no Chile ou Lago Buenos Aires na Argentina), a experiência se assemelha àquela de percorrer o Baikal, embora, possivelmente, não se assemelhando na grandeza do lago Russo. Mas na estrada que percorremos hoje, vimos algo inédito pra nós: a natureza intocada da Sibéria em todo o seu esplendor. E falando sobre estradas, uma pergunta que ouvimos várias vezes quando fazemos essas viagens é: “quando vocês param, dá pra conhecer alguma coisa nessas viagens em que vocês passam o dia inteiro na moto?”. Nessa viagem, especificamente, também ouvimos de várias pessoas algo como “Vladivostok???? Vocês são loucos!!!! O que é que vocês vão fazer em Vladivostok???”. A resposta a essas indagações não poderia ser mais simples. Sobre conhecer alguma coisa nas paradas, isso não importa. Quando dá pra conhecer, é lucro, mas não é pra isso que a gente viajou. E sobre o que fazer em Vladivostok, a resposta é que não vamos fazer porra nenhuma!!!! Porque Vladivostok simplesmente não importa. O que importa é o caminho para chegar até lá. A gente não veio pra Rússia porque é doido pra conhecer Vladivostok, ou Chita ou qualquer cidade grande pelo caminho. A gente veio pra cá, porque entre o ponto A (Moscou) e o ponto B (Vladivostok), tem uma tal de Rota Transiberiana, que é a maior estrada do mundo, que é mítica, e cuja simples existência é suficiente para que movamos mundos e fundos pelo simples prazer de percorrê-la. Muitas pessoas que não foram picada pelo vírus das longas viagens em belas estradas, têm dificuldade de entender isso. Mas pergunte a um motociclista de aventura a razão pela qual ele vai a qualquer estrada, e a resposta sempre será: porque ela está lá. E é por isso que um dia como hoje é a maior recompensa de uma viagem como essa: ele entrega o que de melhor viemos buscar, que é o prazer de percorrer as trilhas menos percorridas, de estar onde poucos estiveram e de nos tornarmos testemunhas oculares de paisagens nas quais poucas pessoas já tiveram o prazer de repousar a sua retina. Veja a galeria abaixo e você vai entender um pouco mais do que estou falando…

Mas e as cidades do caminho? Ora, o que vier é lucro! Mas se não vier, ótimo. Por exemplo, ninguém em são consciência viajaria de férias pra conhecer uma cidade como Yerofei Pavlovich, que é onde estamos hoje. Uma vila de 5.000 habitantes segundo a Wikipedia, mas que pelo que vimos nas “ruas” (sim, entre aspas mesmo…) eu não diria que mil pessoas vivem aqui. Mas no fim das contas ter a oportunidade de conhecer (e dormir!!!!) em um lugar como esse, é outra atração a parte. O vilarejo fica a uns 5 km da rodovia principal, com acesso por estrada de terra. São umas 4 ou 5 ruas, que cruzam uma “avenida”, uma igrejinha, uma mercearia, um monte de cachorro na rua e… Russos!!!! Gente “normal”, vendo a vida passar, vivendo seu cotidiano e achando que desceram dois seres extra-terrestres na cidade montados naquelas motos enormes. O hotel, é uma mistura de Massacre da Serra Elétrica, Sexta-feira 13 e o Albuergue, como brinquei no Facebook. Mas, mais uma vez, é aí que está a graça! A dona, uma senhora super simpática, fez questão de montar pessoalmente a cama de dobrar que precisava colocar no quarto. Na mercearia, fomos antedidos por uma moça que usava um ábaco para calcular o valor da conta. Sim, é isso mesmo: um ábaco (pedi a ela pra fotografar e está na galeria a seguir). Compramos pão (o melhor que comi na Rússia até agora), um monte de cerveja, um bocado de vodka, queijo, salames e fizemos um puta banquete no quarto (ok, não foi beeeeem por escolha, é porque não tinha mesmo outro lugar… hehe), mas foi sensacional. E um detalhe: ninguém, absolutamente ninguém num raio de centenas de quilometros fala uma palavra que não seja em russo. O pitoresco da paisagem, do local e da situação torna essa uma experiência incrivelmente única. Singularmente perfeita para fechar aquele que talvez tenha sido o dia mais perfeito da viagem. E aí você pode estar se perguntando: mas porque diabos os dois animais resolveram dormir num lugar desses? É simples: é o único que tem entre Chita (quase 800 km pra trás) e Blagoveschenski (quase outros 80000 km pra frente). Como disse, estamos mesmo na parte mais remota da Sibéria. E agora, pra fechar o post, a galeria inteiramente dedicada a Yerofey Pavilovich e sua pousada. Até amanhã (esperamos….. hehehehehe).

 

15 comentários em “Dia 16 – Chita – Yerofey Pavilovich – 780 KM

  1. Impressionante como você consegue transmitir as sensações/emoções da estrada aqui no blog! Parabéns e obrigado por dividir essas experiencias conosco! Sigo acompanhando!

  2. “… Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver. Um homem precisa viajar…”.

  3. Allan e Rodrigo sei que a viagem está muito boa. Mas me diz uma coisa as mulheres Russas são mesmo lindas como dizem. Em qual região são mais bonitas. Dá para comparar com as do Brasil????

    1. Antonio, nao que a gente tenha prestado atenção… hehehehe… mas sim, às vezes parece que não existe mulher feia aqui, devem ter deportado todas pra Criméia! 🙂

  4. Imensidão! Ontem ouvi uma frase de uma amiga que traduz a essência do que vocês passam neste blog: “quem viaja de moto não está preocupado com o destino e sim com o prazer proporcionado pelo caminho”. Lindo texto! Viajamos junto com vocês!

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