Dia de zero km rodados… Estamos “presos” em Omsk, sem nada a fazer a não ser aguardar.
E pra vocês terem uma ideia do que é Omsk, muito melhor do que a minha ocidentalizada opinião, são as palavras do grande Fyodor Dostoyevsky, um dos maiores escritores russos, autor de clássicos como Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov, que esteve exilado entre 1850 e 1854 na prisão de Katorga, num tempo em que a Sibéria era o destino de presos e exilados políticos:
Omsk is a hateful hole. There is hardly a tree here. In summer—heat and winds that bring sandstorms; in winter—snowstorms. I have scarcely seen anything of the country round. The place is dirty, almost exclusively inhabited by military, and dissolute to the last degree. I mean the common people. If I hadn’t discovered some human beings here, I should have gone utterly to the dogs.
— Fyodor Dostoyevsky, 1854
Omsk é um buraco odiável. Raramente se vê uma árvore. No verão, calor e vento trazem tempestades de areia. No inverno, tempestades de neve. Eu vi de forma muita esparsa alguma coisa dos arredores. O lugar é sujo, quase exclusivamente habitado por militares e dissoluto ao nível extremo. Se eu não tivesse encontrado alguns seres humanos aqui, teria me juntado aos cachorros.
Com isso, tivemos que rever o roteiro. Felizmente, previmos alguns dias livres para descanso e turismo convencional pelo caminho. Em uma viagem dessa magnitude, esses dias são essenciais, porque imprevistos sempre podem acontecer e um roteiro sem essas paradas poderia ir inteiro por água abaixo no caso de eventualidades. Assim, até aqui, conseguimos uma reprogramação ainda sem grandes traumas. Retiramos Tomsk do roteiro (não acreditamos que será uma grande perda pelo que lemos da cidade), e retiramos um dia de descanso que passaríamos o lago Baikal. Embora o lago seja um dos pontos altos da viagem, ainda teremos uma tarde/noite e uma manhã para conhecermos pelo menos o básico. E, caso consigamos chegar lá sem mais imprevistos, teremos percorrido em torno de 50% da rota e ainda teremos dois dias livres pelo caminho, o que nos permite começar a fazer escolhas. Com a parada em Omsk, também cancelamos todas as pré-reservas de hotel pelo caminho. Havia uma certa preocupação com a chegada às cidades, razão pela qual saímos do Brasil com todas as reservas feitas. Mas agora, já ambientados, percebemos que não é bicho de sete cabeças e estamos confortáveis em ir encontrando hotel à medida em que avançamos. Isso nos traz maior flexibilidade de roteiro, o que agora passa a ser algo bastante interessante para ajustar o que falta percorrer dentro do tempo de que dispomos.
Assim, o dia foi de descanso (mesmo, tipo deitado no hotel sem picas pra fazer…) e de turismo em Omsk. Essa é a primeira cidade em que paramos onde é possível dizer que dá pra perceber como era uma cidade da antiga União Soviética, pelo menos em termos de arquitetura e urbanismo. Todas as construções da cidade se parecem, prédios baixos de até 4 ou 5 andares, todos muito parecidos. Ruas MUITO largas, e um astral meio cinzento, bucólico. O que não quer dizer que não hajam instalações super bacanas. O restaurante onde almoçamos, por exemplo, é um pub irlandês como vi poucos nas andanças pelo mundo. Comida de primeira e Guinness servida exemplarmente. Para o jantar, um café super bacana, mesas externas, excelente atendimento, e “dumplings” excelentes. Os dumplings são uma comida meio típica por aqui e na prática, são praticamente capeletes servidos apenas cozidos sem molho nenhum. Ok, não é exatamente isso, mas é bem parecido: uma massa recheada com uma mistura de carne de boi, de porco e especiarias. Em termos de comida típica, o strogonoff manda melhor. E ainda encontramos tempo para visitar um supermercado. Sim, supermercados revelam muita coisa dos costumes locais e são lugares obrigatórios quando chegamos em lugares que não conhecemos. A prateleira de vodka é, provavelmente, o lugar do mercado com maior quantidade de opções. E no quesito gastronômico, eles comem algumas iguarias extravagantes para nós, como peixes defumados de tudo quanto é tipo, como dá pra ver nas fotos a seguir.
E falando em comida, ontem após chegarmos meio-noite, tomamos um banho para tirar a poeira da estrada e fomos procurar o que comer porque a fome era bruta. Fomos a esse pub onde almoçamos hoje, que fica a uma quadra do hotel, mas apesar de ainda aberto já estava com a cozinha fechada. Nessa quadra entre o hotel e o pub havia um quiosque com vários carros parados na frente e o povo mandando ver nos sandubas. Quando constatamos o fechamento da cozinha, claro que a barraca veio à mente em pensamos: “se tem um monte de gente comendo lá o trem deve ser bom”. Partiu barraquinha! Chegamos lá, a pobre da mulher dentro do quiosque estava dormindo e teve que ser acordada. Pegamos coca nas geladeiras que ficam do lado externo, recorremos ao bom e velho google translator e ficamos uns 10 minutos tentando entender o cardápio que ficava em cartazes afixados voltados para o lado de fora (a barraca é fechada, só tem uma janelinha para falar com a mulher que faz a comida lá dentro. Muito bem depois de gastar o russo pra entender o que tinha de opção, tiramos FOTOS do que queríamos e mostramos à pobre alma dentro da barraca pra ter certeza de que não haveria engano. Rodrigo pediu um tradicional hamburguer, que na foto era um pão com queijo, cebolas fatiadas, tomate e alface, e eu pedi um prosaico sanduíche de queijo e presunto, que pela descrição e pelas fotos, era uma das únicas coisas dentre todas as opções que não levava cenoura ralada. Então… aí descobrimos que perdemos tempo a toa. Apesar de pedidos diferentes, recebemos EXATAMENTE a mesma coisa: um pão de tresantontem, com um negócio no meio que deveria se assemelhar a um hamburguer, feito com algum tipo de carne processada medindo não mais que 2cm x 2 cm, aquecido no microondas e, recheando faaaaartamente o saduba… cenoura ralada. Não, mas você não tá entendendo. Era muito cenoura ralada. Mas muita. Mas muita. Eu particularmente nunca vi tanta cenoura ralada na minha vida. Incomível. Rodrigão fez um esforço hercúleo pra comer quase a metade e eu desovei a porra toda depois da primeira mordida. E olha que em estrada, frescura pra comer não é exatamente uma característica nossa. Mas ali não dava… andamos mais um bocado e qual não foi nossa surpresa quando a meia quadra do hotel no sentido oposto, achamos uma portinhola aberta onde finalmente, chafurdamos no mais estupendamente delicioso sharma kebab ou seja lá o nome que tiver esse trem (pão folha recheado com carne daquelas que ficam girando num tipo de espeto nesses quisoques arabes/turcos, tomate, queijo, iogurte e o diabo a quatro). Quem diria, fomos salvos da maldição da cenoura ralada por um kebab…
Também nos reencontramos com o pessoal da Red Bull Transiberian Expedition, o bando de maluco pedalando a mesma rota que nós. Na chegada ao hotel, as vans da organização estavam todas estacionadas na porta. Agora, contamos com a boa energia de todo mundo aí pra que a DHL entregue o que tem que entregar, os mecânicos façam o que tem que fazer (e de preferência que apertem todos os parafusos e encaixem todas as peças nos lugares certos, porque pra trocar o tal disco de embreagem a moto tem que ser literalmente desmontada ao meio) e que possamos voltar ASAP pra estrada porque Vladivostok nos aguarda.
As cidades da Russia são limpas e ruas largas. Maravilha, esse povo tem muita história.
A mulher imaginou que os ogros estavam de dieta e por isso cenoura faz bem!!!!
Pena que o Baikal não terá o tempo que estipularam. Em agosto um grupo de amigas de Curitiba estarão lá para se encontrar com uma linda sacerdotisa russa, NAYADA. Será um encontro espiritual. Sinto muito que eu não poderei acompanhá-las. Dizem que esse lago tem as águas mais límpidas do mundo…a únca sujeira encontrada foi do frasco que usaram para apanhar uma amostra.
Que as peças da Moto repostas, façam jús as expectativas e tenham uma inesquecível viagem!
Abraços para os dois curitibanos,
plenos de aventuras nos sangue
Boa Viagem!
Sou fascinada pela Russia e sua história e tenho acompanhado vocês nesta deliciosa aventura!